terça-feira, 15 de abril de 2014

Glória Pires interpreta heroína alagoana da psiquiatria em filme que será lançado este an


Ela nasceu em Maceió (1905), estudou no colégio Santíssimo
 Sacramento, foi uma das primeiras mulheres a se formar em
 Medicina (na Faculdade de Medicina da Bahia) e se tornou uma
 das heroínas da psiquiatria brasileira ao se negar a usar tratamentos
 agressivos (como o eletro-choque e a lobotomia) em pacientes com
 esquizofrenia e outros distúrbios – inovando com o uso de métodos
 hoje consagrados como a terapia ocupacional e o uso da arte para 
seus pacientes se expressarem, assim como outros métodos alternativos
 como o estímulo ao contato com animais domésticos para acalmar 
seus pacientes.
"Estamos todos apaixonados por ela”, disse a atriz Glória Pires
 há dois anos, quando começou a estudar a vida da alagoana para 
interpretá-la no filme Nise da Silveira – A Senhora das Imagens.
 “Está sendo uma maravilha, um aprendizado, um sonho".
 Em entrevista para o canal Telecine (veja vídeo abaixo),
 a atriz também falou da emoção de filmar no local onde 
Nise trabalhou, o Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II,
 hoje Instituto Municipal Nise da Silveira,
 Engenho de Dentro, Rio de Janeiro.
O filme se passa entre 1942 e 1944, período em que Nise chega
 ao Rio de Janeiro para trabalhar no hospital e é designada para
 cuidar da área de terapia ocupacional do centro psiquiátrico da unidade,
 transformando o setor. Os pacientes passam a ser tratados
 como “clientes” e a participar de atividades como jardinagem,
 teatro, dança e música. As chamadas oficinas de arte acabam
 se tornando ferramentas eficazes e fundamentais para a melhora
 significativa dos internos. “A partir desse momento,
alguns desses esquizofrênicos embotados transformaram-se
 em grandes artistas. E, pela leitura que fazia dessas obras,
 Nise começou a penentrar no inconsciente deles.
 Este talvez tenha sido seu grande triunfo.
 O filme fala disso tudo”, comentou o diretor Roberto Berlinder.
Dirigido por  Roberto Berliner, o filme está em fase final de edição
 e deve ser lançado ainda este ano. Além de Glória Pires no papel
 principal, o elenco conta com a presença de atores como
 Flavio Bauraqui, Fabrício Boliveira, Julio Adrião, Felipe Rocha 
e Claudio Jaborandy.
Essa semana, a expectativa em torno do lançamento do filme
 aumentou ainda mais com a exibição no Rio de Janeiro e em
 São Paulo do documentário "Posfácio - Imagens do Inconsciente"
 por Eduardo Escorel, montado a partir da entrevista que o cineasta
 Leon Hirzman fez com a psiquiatra na década de 1980 
durante as filmagens do documentário “Imagens do Inconsciente”.
Uma prova de que, quanto mais o tempo passa, o trabalho
 da alagoana - que se correspondia diretamente com o psiquiatra
 e psicoterapeuta suiço Carl Jung, de quem foi discípula –
 ganha cada vez mais força - assim como ocorreu com a
 obra do seu conterrâneo e ex-companheiro de prisão,
 Graciliano Ramos, que fez questão de descrevê-la em suas
 “Memórias do Cárcere”.
(Leia abaixo trecho do livro em que Graciliano descreve como foi
 apresentada à alagoana selecionado por Elvia Bezerra,
 coordenadora de Literatura do Instituto Moreira Salles)
"Numa passada larga, atingi o vão da janela: agarrei-me aos
 varões de ferro, olhei o exterior, zonzo, sem perceber direito
 por que me achava ali. Uma voz chegou-me, fraca, mas no
 primeiro instante não atinei com a pessoa que falava.
 Enxerguei o pátio, o vestíbulo, a escada já vista no dia anterior.
 No patamar, abaixo de meu observatório, uma cortina de lona
 ocultava a Praça Vermelha. Junto, à direita, além de uma grade larga,
 distingui afinal uma senhora pálida e magra, de olhos fixos, arregalados.
 O rosto moço revelava fadiga, aos cabelos negros misturavam-se
 alguns fios grisalhos. Referiu-se a Maceió, apresentou-se:
– Nise da Silveira.
Noutro lugar o encontro me daria prazer. O que senti foi surpresa,
 lamentei ver a minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão
, do hospital, dos seus queridos loucos.
 Sabia-a culta e boa, Rachel de Queiroz me afirmara a grandeza
 moral daquela pessoinha tímida, sempre a esquivar-se, a reduzir-se,
 como a escusar-se de tomar espaço. Nunca me havia aparecido
 criatura mais simpática. O marido, também médico,
 era o meu velho conhecido Mário  Magalhães.
 Pedi notícias dele: estava em liberdade. E calei-me,
 em vivo constrangimento.
De pijama, sem sapatos, seguro à verga preta, 
achei-me ridículo e vazio; certamente 
causava impressão muito infeliz. Nise,
 acanhada, tinha um sorriso doce, fitava-me
 os bugalhos enormes, e isto me agravava a perturbação,
 magnetizava-me. Balbuciou imprecisões, guardou silêncio,
, provavelmente se arrependeu de me haver convidado para
 deixar-me assim confuso." 
por Rodrigo Cavalcante

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