Arteterapia ajuda a superar doença
07/05/2015
FABIANE
LEITE e BERTA MARCHIORI
Folha
de São Paulo - 06/072003
Estudos
mostram que essa prática ajuda a
aliviar
a ansiedade
e
a aumentar a autoconfiança
dos
pacientes
A arte
é "uma fada que transmuta", escreveu Manuel Bandeira,
"e
transfigura o mau destino." A capacidade transformadora
e
terapêutica da pintura, escrita, música, dança e
outras
são propagadas também na medicina e psicologia.
Mas
faltava base científica para sustentar o discurso.
O
assunto foi acolhido no último Congresso Mundial de Psiquiatria,
em
2002, e estudos mais amplos já o investigam.
Os
primeiros resultados de uma pesquisa inédita realizada
pelo
projeto de arte-terapia do Instituto de Psiquiatria (IPq) do
Hospital
das Clínicas de São Paulo, por exemplo, dão força à
mensagem
do poeta. "A arte-terapia trouxe a melhora de sintomas"
,
relata a psiquiatra e arteterapeuta Carmen Lúcia Albuquerque
de
Santana, coordenadora do projeto de arte-terapia do IPq.
"Houve
transformação do conceito que as pessoas tinham delas
mesmas.
Uma mudança de identidade."
Os
dados são da avaliação dos 60 pacientes por semana
atendidos
no serviço, criado há seis anos.
Os mais
antigos foram acompanhados por cinco anos
pela
equipe.
A
análise final foi realizada por meio de entrevistas.
O
estudo, tese de doutorado de Santana, só termina no
próximo
ano.
Mas já
é possível dizer que por meio da arte pacientes
contornaram
dificuldades de comunicação, diminuíram
a
ansiedade e aumentaram a autoconfiança.
"Minha
timidez diminuiu e meu relacionamento social melhorou.
Estou
mais calmo e brigo menos, respondo menos.
Eu não
abria a boca e agora consigo conversar,
até
aconselho meus colegas", relatou um dos adolescentes
de 13 a
17 anos avaliados em outro estudo qualitativo feito
no IPq,
com 16 pacientes depressivos, coordenado pela
psicóloga
Marilia Yokota.
Segundo
ela, todos recebiam medicação havia dois anos,
mas a
melhora não era suficiente -sobravam sintomas e
sua
adaptação social era considerada insatisfatória até
começarem
a arte-terapia. "Não há paciente que não se
beneficie",
afirma Santana.
"Sinto
tudo de feliz", diz Michelli Aparecida Pereira, 12,
que faz
arteterapia na AACD (Associação de Assistência
à
Criança Deficiente) de São Paulo.
A idéia
e a prática não são novas. Freud estabeleceu as
bases
da arte-terapia no início do século passado, ao
ver na
arte uma forma de expressão do inconsciente.
Jung
iniciou a aplicação da arte como terapia.
No
Brasil, Osório César, no Hospital do Juqueri,
de São
Paulo, e Nise da Silveira, no Centro Psiquiátrico
D.
Pedro II, no Rio, desenvolveram uma série de experiências
com
pacientes psiquiátricos, como explica o livro "A Arte Cura?",
coordenado
pela psicóloga Maria Margarida de Carvalho.
Terapeuta é essencial
"Pessoas
com problemas emocionais muitas vezes não
têm
palavras para expressá-los. A expressão artística provê
essa
possibilidade. Se fazem um desenho, conseguem
comunicar
um estado da alma.
É um
fio que ajuda a entrar em contato", explica a psicóloga e
arteterapeuta
Selma Ciornai, fundadora e
coordenadora
do curso de especialização em
arteterapia
do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.
A arte
é o mediador que coloca em contato paciente
e
psicoterapeuta. É esse profissional a essência dessa
prática
terapêutica. Ajudará quem sofre a decodificar símbolos,
gestos,
palavras. A linguagem artística é uma ferramenta
no
processo, portanto.
Diferentemente
da arte-educação, na arte-terapia não
há
preocupação específica com a técnica, estética e
conhecimento
de movimentos artísticos. Arte-terapia
também
não tem nada a ver com terapia ocupacional
-em que
a atividade em si é o foco: por exemplo,
um
determinado trabalho manual que favoreça
a
recuperação do membro.
Ciornai explica possíveis desdobramentos do processo criativo.
"Quem
sofre de depressão tem a sensação de que não há saída.
Na hora
em que cria, há uma repercussão: quem cria na arte,
cria na
vida", afirma.
"Expressão
artística não serve só para liberar o que está doendo,
mas
também para soltar fantasias e utopias, a possibilidade de
uma
vida diferente."
A
psicóloga e arte-terapeuta Mônica Guttmann, 40,
estimula
seus pacientes a criar histórias.
Por
meio da maneira como ele constrói a
narrativa
e segundo os símbolos usados é
possível
conhecê-lo, diz.
É na
história que surgem indicações de caminhos
para
resolver o problema.
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