sábado, 16 de maio de 2015

Arteterapia ajuda a superar doença
07/05/2015
FABIANE LEITE e BERTA MARCHIORI
Folha de São Paulo - 06/072003
Estudos mostram que essa prática ajuda a
aliviar a ansiedade
e a aumentar a autoconfiança
dos pacientes


A arte é "uma fada que transmuta", escreveu Manuel Bandeira,
"e transfigura o mau destino." A capacidade transformadora
e terapêutica da pintura, escrita, música, dança e
outras são propagadas também na medicina e psicologia.
Mas faltava base científica para sustentar o discurso.
O assunto foi acolhido no último Congresso Mundial de Psiquiatria,
em 2002, e estudos mais amplos já o investigam.

Os primeiros resultados de uma pesquisa inédita realizada
pelo projeto de arte-terapia do Instituto de Psiquiatria (IPq) do
Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, dão força à
mensagem do poeta. "A arte-terapia trouxe a melhora de sintomas"
, relata a psiquiatra e arteterapeuta Carmen Lúcia Albuquerque
de Santana, coordenadora do projeto de arte-terapia do IPq.
"Houve transformação do conceito que as pessoas tinham delas
mesmas. Uma mudança de identidade."

Os dados são da avaliação dos 60 pacientes por semana
atendidos no serviço, criado há seis anos.
Os mais antigos foram acompanhados por cinco anos
pela equipe.
A análise final foi realizada por meio de entrevistas.
O estudo, tese de doutorado de Santana, só termina no
próximo ano.
Mas já é possível dizer que por meio da arte pacientes
contornaram dificuldades de comunicação, diminuíram
a ansiedade e aumentaram a autoconfiança.
"Minha timidez diminuiu e meu relacionamento social melhorou.
Estou mais calmo e brigo menos, respondo menos.
Eu não abria a boca e agora consigo conversar,
até aconselho meus colegas", relatou um dos adolescentes
de 13 a 17 anos avaliados em outro estudo qualitativo feito
no IPq, com 16 pacientes depressivos, coordenado pela
psicóloga Marilia Yokota.

Segundo ela, todos recebiam medicação havia dois anos,
mas a melhora não era suficiente -sobravam sintomas e
sua adaptação social era considerada insatisfatória até
começarem a arte-terapia. "Não há paciente que não se
beneficie", afirma Santana.
"Sinto tudo de feliz", diz Michelli Aparecida Pereira, 12,
que faz arteterapia na AACD (Associação de Assistência
à Criança Deficiente) de São Paulo.

A idéia e a prática não são novas. Freud estabeleceu as
bases da arte-terapia no início do século passado, ao
ver na arte uma forma de expressão do inconsciente.
Jung iniciou a aplicação da arte como terapia.
No Brasil, Osório César, no Hospital do Juqueri,
de São Paulo, e Nise da Silveira, no Centro Psiquiátrico
D. Pedro II, no Rio, desenvolveram uma série de experiências
com pacientes psiquiátricos, como explica o livro "A Arte Cura?",
coordenado pela psicóloga Maria Margarida de Carvalho.

Terapeuta é essencial

"Pessoas com problemas emocionais muitas vezes não
têm palavras para expressá-los. A expressão artística provê
essa possibilidade. Se fazem um desenho, conseguem
comunicar um estado da alma.
É um fio que ajuda a entrar em contato", explica a psicóloga e
arteterapeuta Selma Ciornai, fundadora e
coordenadora do curso de especialização em
arteterapia do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.

A arte é o mediador que coloca em contato paciente
e psicoterapeuta. É esse profissional a essência dessa
prática terapêutica. Ajudará quem sofre a decodificar símbolos,
gestos, palavras. A linguagem artística é uma ferramenta
no processo, portanto.
Diferentemente da arte-educação, na arte-terapia não
há preocupação específica com a técnica, estética e
conhecimento de movimentos artísticos. Arte-terapia
também não tem nada a ver com terapia ocupacional
-em que a atividade em si é o foco: por exemplo,
um determinado trabalho manual que favoreça
a recuperação do membro.

Ciornai explica possíveis desdobramentos do processo criativo.
"Quem sofre de depressão tem a sensação de que não há saída.
Na hora em que cria, há uma repercussão: quem cria na arte,
cria na vida", afirma.
"Expressão artística não serve só para liberar o que está doendo,
mas também para soltar fantasias e utopias, a possibilidade de
uma vida diferente."

A psicóloga e arte-terapeuta Mônica Guttmann, 40,
estimula seus pacientes a criar histórias.
Por meio da maneira como ele constrói a
narrativa e segundo os símbolos usados é
possível conhecê-lo, diz.
É na história que surgem indicações de caminhos
para resolver o problema.


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